Contexto e panorama geral
Você pode não se lembrar, mas, entre 2018 e 2020, Estados Unidos e China travaram uma intensa guerra comercial marcada por tarifas bilaterais cada vez mais altas sobre centenas de bilhões de dólares em importações.
Essa disputa representou uma ruptura abrupta na política de livre comércio dos EUA, gerando preocupação quanto aos impactos macroeconômicos nos dois países (Fajgelbaum et al., 2021).
Quais foram os efeitos desse duelo tarifário sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e sobre a inflação?
Impacto no PIB e crescimento econômico
Pesquisas indicam que a guerra de tarifas cobrou um preço em termos de atividade econômica nos EUA e na China, ainda que relativamente pequeno em relação ao tamanho dessas.
Estimativas quantitativas sugerem que, até 2019, o PIB dos EUA ficou cerca de 0,1% menor do que estaria na ausência das tarifas, enquanto a China registrou perda de bem-estar em torno de 0,3% do.
Por exemplo, Amiti, Redding e Weinstein (2019) calcularam que as tarifas de 2018 reduziram a renda real agregada dos EUA em aproximadamente US$ 1,4 bilhão por mês (cerca de 0,08% do PIB) (Fajgelbaum et al., 2021).
De modo geral, a literatura conclui que houve queda de renda e produção em ambos os países, mas “não por magnitudes muito grandes em relação ao PIB”. Em outras palavras, o efeito macroeconômico direto foi negativo porém modesto, ainda assim relevante, especialmente quando acumulado ao longo dos trimestres.
Investimentos foram postergados diante da incerteza comercial, e cadeias produtivas tiveram que se reorganizar, contribuindo para a desaceleração do crescimento em 2019 em ambos os países (Amiti; Redding; Weinstein, 2019).

Impacto nos preços e inflação
Um dos efeitos mais claros das tarifas foi a pressão sobre os preços nos EUA. Estudos empíricos confirmam que houve repasse praticamente integral das tarifas para os preços de importação.
Ou seja, os exportadores chineses não reduziram seus preços de venda; assim, quando os EUA impuseram, por exemplo, uma tarifa de 25%, o preço de importação pós-tarifa subiu na mesma proporção, encarecendo o produto para importadores e consumidores.
Na prática, os consumidores e empresas nos EUA arcaram com a maior parte do custo das tarifas, enfrentando preços mais altos em diversos bens, de máquinas de lavar a componentes.
Estima-se que as medidas tarifárias de 2018 adicionaram cerca de 0,1 a 0,2 ponto percentual à inflação nos EUA naquele.
Embora esse impacto direto no índice de preços geral tenha sido modesto, ele foi notável em categorias específicas de bens de consumo e insumos industriais afetados. Ademais, há o risco de efeitos indiretos, caso produtores domésticos aproveitem a proteção tarifária para elevar seus próprios preços (Barbiero; Stein, 2025) (Cerutti, 2025).
Na China, a alta de preços para os consumidores não foi tão perceptível de forma ampla, em parte porque o governo chinês adotou medidas para mitigar impactos (como desvalorizar o câmbio, tornando os produtos chineses mais competitivos).
Ainda assim, determinados produtos importados dos EUA sujeitos à retaliação, como soja e automóveis, ficaram mais caros no mercado chinês, pressionando indústrias e consumidores nesses segmentos.
De modo geral, contudo, a inflação chinesa foi menos influenciada diretamente pelas tarifas e mais por outros fatores (por exemplo, a peste suína africana elevando os preços de alimentos em 2019).

Efeitos sobre o comércio bilateral
Como era de se esperar, o comércio entre os dois países retraiu-se sob a imposição mútua de tarifas. Entre 2018 e 2019, as importações americanas de produtos chineses caíram acentuadamente (especialmente nos itens inclusos nas listas tarifárias). Empresas dos EUA anteciparam compras antes da vigência das tarifas e depois reduziram as importações desses bens, buscando fornecedores alternativos quando possível.
Da mesma forma, as exportações dos EUA para a China despencaram em categorias atingidas pela retaliação chinesa, como produtos agrícolas – emblematicamente, as vendas de soja americana para a China caíram para quase zero no fim de 2018 (Cerutti, 2025).
Como resultado, o comércio bilateral EUA-China diminuiu substancialmente no período: o déficit comercial dos EUA com a China pouco se alterou em 2018, mas em 2019 houve alguma redução à custa de menor fluxo nos dois sentidos.
Houve também desvio de comércio: as importações americanas de outros países (como México, Vietnã e Taiwan) aumentaram para suprir parte da queda das importações chinesas. No caso da soja, produtores brasileiros ganharam mercado na China enquanto os americanos perderam. Essas adaptações atenuaram o impacto global, mas não evitaram perdas para os produtores diretamente envolvidos nos dois países.
No longo prazo, a guerra comercial acelerou debates sobre a reorganização de cadeias produtivas e redução de dependência mútua, embora a China tenha permanecido uma peça importante no fornecimento global (direta ou indiretamente, via países intermediários) (Haberkorn et al., 2024),.

Considerações finais
A guerra tarifária EUA-China de 2018–2020 teve efeito de freio no crescimento econômico dos dois países e gerou pressões inflacionárias localizadas, especialmente nos Estados Unidos.
Os investidores e formuladores de política econômica acompanharam de perto esses desenvolvimentos: apesar de as perdas estimadas em PIB parecerem pequenas (da ordem de décimos de ponto percentual), elas representam bilhões de dólares em produção e renda perdidas.
Do lado dos preços, ficou claro que grande parte do custo das tarifas foi assumido internamente um alerta de que barreiras comerciais encarecem a vida do consumidor doméstico, sem ganhos evidentes no balanço comercial.
Acredito que as evidências aqui mostradas mostrar uma realidade muito clara: a guerra comercial só beneficia o político que a criou com a ilusão de crescimento e desenvolvimento econômico futuro.
As medidas adotadas pelos governantes diminuiu o bem-estar dos seus governados. Uma clássica ação egoísta e mal pensada.
Referências
AMITI, Mary; REDDING, Stephen J.; WEINSTEIN, David E. The impact of the 2018 tariffs on prices and welfare. Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 4, p. 187–210, Fall 2019.
FAJGELBAUM, Pablo D.; GOLDBERG, Pinelopi K.; KENNEDY, Patrick J.; KHANDELWAL, Amit K. The return to protectionism. Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 1, p. 1–55, 2020.
CERUTTI, Eugenio; GOPINATH, Gita; MOHOMMAD, Adil. O impacto das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China. Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional), 23 maio 2019. Disponível em: https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2019/05/23/blog-the-impact-of-us-china-trade-tensions. Acesso em: 01 jul. 2025.
BOWN, Chad P. The US–China trade war and Phase One agreement. Journal of Policy Modeling, v. 43, n. 4, p. 805–843, 2021.
BARBIERO, Omar; STEIN, Hillary. The impact of tariffs on inflation. Boston: Federal Reserve Bank of Boston, Research Department, Current Policy Perspectives, n. 25-2, 6 fev. 2025.
HABERKORN, Flora; HOANG, Trang; LEWIS, Gordon; MIX, Carter; MOORE, Dylan. Global trade patterns in the wake of the 2018–2019 U.S.–China tariff hikes. FEDS Notes, Washington, D.C.: Board of Governors of the Federal Reserve System, 12 abr. 2024.